sábado, 25 de julho de 2009

CRISTIANO
Então
Daí eu tinha esse amigo, sabe?
Conhecíamos-nos desde a infância. Desde que eu vim de Vassouras, uma cidade histórica no Vale do Café, no interior do Rio de janeiro.
Éramos tão jovens e inconseqüentes.
Naquela época achávamos que viveríamos para sempre, sabe como é?
Fizemos muita coisa juntos. Saímos, namoramos (ele com as namoradas dele e eu com as minhas, não confunda), andamos de bicicleta, nadamos no rio.
Uma das coisas mais legais que fazíamos (não foram tantas vezes mas valeram a pena) era sair por aí de bicicleta. Pedalávamos quase o dia inteiro pela Zona Rural de Paracambi. Era muito divertido. Eu, esse amigo e o Fernando um terceiro e grande amigo também. Pena eu ter cagado o pau com esse também.
Aliás, parece a história da minha vida: vacilar feio com as pessoas que amo.
Mas então, não é de mim que isso se trata. Trata-se de amizade e seu devido valor.
Esse amigo, com o tempo, acabou se afastando. A despeito de termos crescido juntos, servido ao exército juntos (protegendo a pátria mãe dos perigos estrangeiros) e até termos trabalhado juntos em uma oficina, um belo dia, por motivos bobos, deixamos de nos falar.
Com o Tempo, isso parou de ter importância, ainda me sentia seu amigo, mas o orgulho ou mesmo a falta de tempo, nos manteve afastados.
Aí veio o destino sacaneando com a vida da gente, com a desculpa de ter as melhores intenções.
Esse amigo, que já era casado e andava bebendo um pouco demais ultimamente, segundo soube por terceiros à época, se desentendeu com sua esposa e num momento de fuga resolveu ir para a praia, numa cidade afastada de onde estava.
A despeito dos pedidos de seu patrão ele pegou a moto emprestada e seguiu em direção à Mangaratiba, uma cidade litorânea as margens da Baía de Sepetiba, com a intenção de esfriar a cabeça.
Infelizmente ele não teve a oportunidade de refrescar o corpo nem descansar a mente nas águas e areias da Praia do Saco, pois numa das curvas perigosas sua moto se chocou com a traseira de um ônibus, fazendo com que meu amigo se espatifasse contra sua traseira.
Não ele não morreu. Ficou mal pra caramba. Entrou e coma e tudo, é mole?
Não foi fácil. Sua mãe, coitada, quase pirou. E olha que era mãe de criação!
Não me esqueço dela jamais. Como ela amou esse filho. Cuidou dele toda a vida como se seu o fosse. Bom, na verdade era, né? Afinal, mãe é aquela que cria.
Numa revirada do destino (eu não disse que ele sacaneia depois dá desculpa que tinha boas intenções?), quando eu soube do acidente, acabei procurando por ele.
Ele estava no Hospital quando eu soube do ocorrido, teriam me dito até que ele tinha morrido. Mas não. Ele estava em coma. Mas acabou se recuperando e, quando eu fui visitá-lo e ele até se lembrou de mim.
O acidente deixou seqüelas. Quando ele voltou do hospital, tinha lapsos de memória, achava que estava ainda no Exército e que havia seguido carreira. Esquecia-se das pessoas, inventava coisas nas quais ele acreditava piamente.
Resumo da ópera: Ele deu uma pirada na batatinha, mas no fim das contas acabou contornando tudo. Tomou seus remédios, recuperou parte das faculdades mentais. Voltou até mesmo a trabalhar. Eu não estava lá, mas deve ter sido depois de alguém convence-lo que ele não era militar.
Continuamos mantendo contato eu fui a casa dele umas vezes, mas na maioria das vezes eu o encontrava no bar em frente a minha casa.
Ele estava sempre lá tomando refrigerante.
Por algumas vezes eu parei ali e conversávamos sobre várias coisas. Na verdade ele ditava o ritmo. Contava umas verdades. Mesclava algumas fantasias e, assim íamos tocando o papo.
Eu acabei me afastando um pouco dele. Não estava suportando ver meu amigo, que era um cara esperto e inteligente, divagando daquela forma.
Foi então que soube que ele voltara a beber. Me senti mal com isso. Eu queria ajudar, mas que porra eu sei dessa vida, fala?
A última vez que o vi, ele estava no bar, no mesmo canto em que sempre ficava no balcão. Eu entrei, olhei na sua direção.
Ele estava tão bêbado que fingi não tê-lo visto. Eu me arrependo muito disso, pois foi a última vez. Podia te-lo cumprimentado. Ter dito o quanto eu o considerava. Podíamos ter lembrado a infância com mais um copo de cerveja.
Foda-se se estava bêbado! E daí? Mesmo que ele não se lembrasse da metade das histórias, o que conta é a amizade.
Mas não. Não fiz isso. Eu comprei meus cigarros e fui pra minha casa, sentindo um aperto no peito por ter sido tão mesquinho e egoísta.
Agora ele está morto.
Soube da boca de terceiros, ninguém me avisou. Quem se lembraria do amigo que não o procurava a tempos? Eu sequer deixei o numero do telefone.
Estive com a mãe dele semanas antes dele morrer. Ela me contou que ele estava com problemas no coração e que precisava tomar remédios. Reclamou que era difícil de manter ele na linha.
Não esqueço aqueles olhinhos miúdos e aquela atitude bem de mãe mesmo. Como se ele jamais fosse crescer e ser homem. Havia certa dor em seus olhos. Algo bem Virgem Maria vendo Jesus na cruz.
Agora ele está morto.
Soube da morte dele dias depois, quando já havia sido sepultado. Mas sabe o que me dói? Eu tê-lo sepultado antes mesmo de sua morte. Antes que seu coração doente e cansado de sofrer parasse de bater. Antes que o coração de sua mãe ficasse murcho de dor. Eu o sepultei em vida.
Espero ter aprendido a lição.
Não me restam mais muitos amigos. Na verdade, nem sei se ainda tenho algum. Mas mesmo assim, espero não ferrar mais as coisas com os amigos que restaram e com os que ainda virão.
Espero também que, se alguém tiver paciência de ler tudo isso, saiba ou aprenda a valorizar uma amizade verdadeira. Eu tenho a ligeira impressão que não aprendi.
Preguinho, Negão, Azul, Cristiano. Assim o chamávamos. Ele foi amado e respeitado. Foi filho, foi pai, foi amigo.
Adeus meu irmão. Espero que o pós-vida seja mais justo contigo do que eu fui.
Descanse em Paz.

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